sexta-feira, 20 de junho de 2014

A naturalização do estado de exceção e a pauta do dia: "NÃO À REPRESSÃO!"

PM cerca manifestação: dificulta a entrada, só se pode sair; tática de repressão, medo e desmobilização.

O que o Estado vem fazendo nas ruas e nos movimentos populares está extrapolando todos os limites imagináveis. O limite constitucional, o limite moral, o limite da sanidade, do senso da realidade. Vem se naturalizando cada vez mais um Estado policialesco e excepcionalmente repressivo. Vem se tornando normal tiros e bombas a esmo, jatos de spray de pimenta nos olhos de pessoas agressivamente mobilizadas, falta de identificação, arrogância e sadismo dos militares, algemas de lacre, tiros letais, supressão de direitos de se organizar e se reunir etc. Isso além da violência policial cotidiana nos morros, bairros periféricos e favelas.

Nos referíamos em tempos anteriores a "estado de exceção" como algo vago, algo aquém, algo distante da realidade que porventura vivíamos: nos referíamos a "estado de exceção" quando a PM nos impedia de ocupar todas as faixas de uma rua. Falávamos em repressão quando podíamos fazer manifestações para que então a PM pudesse nos dispersar. Mas chegamos a tal ponto que hoje nem sequer manifestações conseguimos fazer; que hoje é rotina acatada a montagem de um aparato de 10 mil militares para uma manifestação de 1 mil pessoas, todos aqueles sobrecarregados de armas e bombas; chegamos a tal ponto que hoje as manifestações são cercadas, encurraladas, integralmente isoladas em um pequeno ponto, incapazes de se movimentar, sendo que para o acesso a elas é necessário revistas muitas vezes hostis e ameaçadoras por parte dos policiais.

Não podemos nos reunir nas praças, que temos a presença de dezenas de viaturas policiais nos cercando; não podemos requerer direitos constitucionais, principalmente quando os requeridos são os policiais, sem que sejamos ameaçados, estapeados ou presos; não podemos filmar as ruas sem que sejamos presos e torturados nas delegacias ou quartéis; não podemos nos organizar sem que sejamos enquadrados no crime de formação de quadrilha, ou mesmo de milícia, pois o judiciário também é parte grande desta ampla estrutura de repressão; nestes tempos, ao povo que quebra vidraças - ou que nem chega perto disso - a lei é pesada e sinistra, enquanto às centenas de casos de violência e abuso policial o silêncio e o cinismo são atemorizantes como olhos sanguinários de abutres mirando carne podre. Assim, dessa maneira, os crimes de Estado são ora normais, ora não divulgados. Se eles já fazem o que fazem publicamente, sem pudor algum, filmados por pessoas e imprensa de todo o mundo, mal podemos imaginar o que fazem escondidos.

Vivemos em um estado de sítio, stricto sensu. E há toda uma gigante e nefasta mobilização por parte das mídias para naturalizar o atual estado das coisas. Com efeito não vivi os tempos de 64, mas quando ouvi Roda Viva pela última vez, nesta semana, a música nunca fez tanto sentido pra mim. Eles detém a impunidade - que, apesar de não gostar deste termo, é o que me cabe no momento -, completa e irrestrita. Chegamos a tal ponto que sentimos medo e receio por pensarmos diferente e querermos algo melhor.

No sábado vibramos quando a polícia nos conduziu da praça sete à praça da estação, depois de ficarmos mais de 6 horas encurralados. Se antes diziam que a derrota do movimento era o cerco da PM, a comemoração pela deixa da PM liberando o trecho que lhe era conveniente tornou-se a pior das derrotas. Ali o movimento simplesmente naturalizou o cerco e a repressão, conforme o sistema quer: nos cercaram, ditaram nossos passos e, encurralados, seguimos rumo ao local desejado pela polícia, como se fosse isso tudo muito normal. Naturalizamos a repressão de tal modo que a simples deixa de irmos a um local determinado pela polícia fora visto por vários ali como conquista da nossa luta.

Referem-se aos "atos de vandalismo" como os hediondos crimes que justificam os atos ilegais, em todos os sentidos, cometidos pelo Estado. Nota-se sobremaneira que o Estado não está minimamente interessado em garantir a aplicação de suas leis, sobretudo aquelas redigidas sob a auréola da Constituição; que, portanto, nem mesmo o Estado opera de acordo com os ditames que lhe conotam eventual fundamento e sentido de existir. Percebe-se, desse modo, sua destreza em açoitar suas instruções legais em serviço do seu verdadeiro significado de existência: garantia da ordem dos ricos e para os ricos. De nada servem, portanto, as leis, se quem as opera é o Estado, e se a quem ele cumpre serviço definitivamente não é ao povo, pelo contrário.

Trata-se de uma crise da máscara da democracia que vem se aprofundando, de certa maneira; não a democracia brasileira, mas a própria democracia. Mesmo que acobertados sob o grande amparo da mídia em neutralizar as reflexões e as críticas dos telespectadores, e, assim, naturalizar o estado avançado de repressão instituído, o que significa ainda uma ampla aceitação/acomodação popular perante a política fascista que se desenrola a partir dos governos, a grande questão é que a democracia capitalista é uma contradição em si mesma. Não há direitos quando interesses de classes estão em jogo. Não há, eles são a raiz da desigualdade. Enquanto o povo segue manso o seu caminho de labuta e trabalho, a democracia se embeleza e se perfuma. Quando o povo ousa se organizar e atacar certas raízes da contradição, a democracia veste farda e bate continência.

O que temos para hoje é compreendermos o atual momento e não nos deixarmos subtrair a capacidade permanente de perplexidade, como nos atentou Helena Greco. Devemos nos organizar em nossos espaços de luta e ampliar as nossas campanhas contra a repressão e as coisas como estão hoje. Talvez, com efeito, a tendência é que ao fim da Copa o aparato repressivo montado seja parcialmente reduzido. Mas pudemos perceber/presenciar um pouco da capacidade da PM quando a ordem do dia é "reprimir!". Nestes tempos, cada vez mais que nos resguardamos à individualidade da reflexão e da ação, mais distanciamos de avanços e conquistas mais expressivas, bem como de uma segurança coletiva extremamente necessária para o momento. Nos atentemos a estes pontos e os trabalhemos coletivamente, porque a luta não pode parar.

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