quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O vermelho do povo não é de papai noel. À militância!

O vermelho do povo não é de papai noel...

Pelo fim da falsidade do Natal e, em contrapartida, por um estado permanente e REAL de solidariedade, companheirismo e amor ao próximo. Não é de oração por oração que o povo esfomeado, que o povo sem casa, que o povo bolado e puto com essa porra toda precisa. Também não é com caridade natalina que se muda o mundo. Importante? É! O povo, afinal, precisa comer, bem como pra muitos a oração tem um sentido positivo, um valor fundamental. Mas não bastam as orações, nem mesmo os atos de caridade isolados, sobretudo aqueles que mal cheiram preconceito, ódio e falsidade, onde o ano inteiro de desprezo e descaso estiveram inundados. Definitivamente não bastam! 

Pra mim, esse estado permanente de solidariedade, de companheirismo e amor ao próximo se chama militância, e não natal. O natal é uma data que no fim das contas serve para massagear o ego de muita gente - que, a propósito, se afunda em dívidas. É uma data importante pro capitalismo fazer com que milhões de pessoas que o sustentam sem querer sintam mais "humanas", mais solidárias. Isso porque o capitalismo sabe que ele não é humano, que os valores mais genuinamente humanos e solidários não têm frutos em seu vasto solo podre. E a humanidade precisa de humanidade. Pra isso serve o natal. Um exemplo prático e simples, a Igreja, que existe há dezenas de séculos, sustenta o natal, mas nunca quis mudar o mundo. Nunca moveu um dedo para que isso ocorresse, mesmo falando em "ajuda aos pobres". A solidariedade deve sair da tutela do sistema e vir pra nossa. Pra nossa tutela transformadora. É em nosso seio, nesse seio que precisa e anseia transformação, que a solidariedade mais vibra, mais tem sentido e mais se faz necessária. Se quisermos mudar, devemos agir em função disso, de modo incisivo e determinado. Por isso, faço uma convocação, pessoas todas que puderem ver esse post nesse 24 de dezembro de 2013:

Nós que nunca havíamos nos movido para tentar mudar algo, que nos dediquemos à militância a partir de 2014; Nós, que já estamos na labuta de transformação social há um bom tempo, que façamos desse 2014 um ano ímpar nessa empreitada, mais um ano de reafirmação de nosso compromisso; Nós, que não somos donos de nada, inclusive não inteiramente de nossas vidas, façamos que sejamos donos ao menos dessas nossas vidas que nos foram (são) roubadas todo dia. Expropriemos nossas próprias vidas à nós mesmos, furtando-as da lógica de mercado e de apatia e jogando-as à determinação e garra militante, para que, além de conquistarmos elas próprias, conquistemos verdadeiros ganhos e frutos para a construção do mundo da solidariedade, eliminando cotidianamente o mundo da ganância e da mentira.

As orações, as caridades, as místicas, eles cabem na militância. E vou dizer ainda: combinam muito mais com a militância do que com uma reunião em frente a um peru e em torno de uma árvore colorida com presentes.

Que a militância tome o valor que o natal tem para si própria. Isso porque é preciso mudar o que vivemos, onde vivemos. É urgente mudar. Que nossa prática tome de assalto o sistema e suas datas medíocres. Que nossa prática tome de assalto nossa vida e a organização dela do sistema e de seus ditames horríveis.

Por mais militância e menos natal, esses são os meus votos!

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Não basta reclamar! Revolte-se e se organize!


A revolta que não se organiza é sadia àquilo que seria sua causa de existência. Uma revolta tênue, de palavras bonitas, às vezes radicais, mas sem estrutura, ação coletiva, estratégias e proposta de se organizar para concretizar - ou mesmo caminhar rumo à concretização - das mais objetivas salientações de sua existência, é admirada e por vezes cooptada pelo poder instituído. Ela é interessante às elites dominantes justamente por não oferecer um perigo real aos pilares do poder e sedar os revoltados à pasmática inércia de contestar por contestar, mesmo que nascida da crítica ao poder instituído. 

A revolta sem organização e o revoltado abstenho rumam numa direção contrária à história que supostamente carregariam. Além de legítima a revolta é de fato necessária, assim como a sua organização é enfaticamente emergencial. Portanto, o nosso avanço na história só se dará quando, antes de tudo, nos organizarmos, avançarmos coletivamente na teoria e na prática, para que sejamos não 1, mas 100, sendo 100 dispostos e com objetivos comuns acumulando força o suficiente para criar um povo forte. 

Esse nosso fortalecimento popular se dá nas bases dos movimentos sociais, nas associações / organizações comunitárias, de bairro, no movimento estudantil, sindical, de luta por terra e moradia, de direitos humanos etc. Nesse sentido, para atuar nesse movimento social com a perspectiva de empoderamento popular, é necessária a construção de uma organização, de um agrupamento de pessoas dispostas com alguns acordos firmados em um programa revolucionário elaborado coletivamente. Programa este que nasça a partir de uma perspectiva horizontal de atuação direta dos organizados no movimento social, que paute as reivindicações, os objetivos e os meios de alcançá-los, de uma maneira que determine ações práticas a curto, médio e longo prazo e que todos esses pontos sejam norteados pelos princípios básicos da existência do homem livre: a solidariedade, a igualdade e a responsabilidade - os princípios do anarquismo. 

Mas que essa organização não confunda seu papel nas lutas, que jamais deve ser de vanguarda como muitas se dispõem. A organização não deve ser maior que o povo tampouco deve determinar o que o povo deve ou não fazer; o povo não deve ser anarquista ou ser submetido a uma ideologia política e aos acordos fechados de uma organização. A organização, norteada por sua ideologia, deve servir para impulsionar, fortalecer, e não para dirigir, centralizar. A proposta dessa organização e o sentido dela existir, que é o fortalecimento do povo, é justamente para que ele caminhe com suas próprias pernas na dura empreitada do processo revolucionário de modo que ele mesmo se erga contra as injustiças e transforme a sociedade. Não há outro viés transformador que paute o povo a não ser ele mesmo em luta. Um povo forte e solidário é naturalmente um povo que tem capacidade de decidir si mesmo seus rumos. A tarefa da organização é de fortalecimento, físico e teórico, deste povo numa relação de criação mútua do poder popular, e não de se sobrepor, de se portar como pastor dum rebanho, dirigente das massas. Essa organização deve estar entre o povo, no chão, e não acima, a frente. 

É em torno desses pontos que levanto a reflexão quanto à organização, seja ela no movimento social, seja ela no aspecto ideológico para atuar com propostas de longo prazo nesse próprio movimento social. O fundamental é se movimentar coletivamente. É necessário que nos disponhamos à luta e que nos organizemos para ela. Coletivamente, de modo autogerido, federalista e horizontal, pés no chão, caminhando humildimente luta após luta na perspectiva de construir o Poder Popular para a nossa emancipação. Assim a vitória nos parece mais real e concreta do que possamos imaginar quando nos estabilizamos e permanecemos na inércia da rebeldia desorientada, enfraquecida, que não oferece abalo estrutural aos pilares da dominação. 

Da crítica nasce a revolta, que se organiza e que se amadurece. Do amadurecimento surge a nova ética, a moral solidária de classe, que é o principal sustentáculo da luta pela emancipação. Então que nos revoltemos, nos organizemos, nos amadurecemos e que criemos uma relação de solidariedade de classe, para nos unirmos, derrotar aquilo que nos subtrai a vida e, assim, alcançarmos a verdadeira liberdade e justiça.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

"Muita fé em Deus, coletividade, e pros parceiros do outro lado da muralha, paz justiça e liberdade!"

Uma operação cinematográfica nos padrões Hollywood: foi o que a Polícia Militar realizou na Praça da Liberdade; Uma operação militar nos padrões de países em guerra: foi o que a Polícia Militar realizou na Praça Raul Soares. Dezenas de pessoas presas num terror para quem tentava de algum modo se organizar e exprimir suas ideias e opiniões coletivamente. Dentre essas pessoas presas, destaco um estudante negro que fugia das bombas e foi sumariamente espancado por cinco ou seis policiais brancos que o escolheram, quebraram seu braço e o arrastaram pelo chão puxando seus dreads, já sangrando devido aos ferimentos do espancamento. Uma guerra desleal declarada pela Polícia contra o povo que protesta. Mas para que e a quem serve um órgão militar, se não para se preparar para guerras e conflitos armados nos quais existe um inimigo a se subtrair, em defesa de interesses de poucos comandantes, coronéis de Polícia e coronéis do dinheiro? 

O fato da Polícia ser militar nos responde por que suas táticas e operações adotam uma postura ostensiva de guerra. A filosofia militar presente na Polícia não lhe dá uma autoconsciência de agente da "segurança" e, nesse sentido, de atuar de modo "coerente com a realidade e com a Constituição", como ela é descrita pelo Estado e pela mídia; não, pelo contrário, essa filosofia militar lhe dá a consciência de que está permanentemente num campo de batalha onde se posiciona e se movimenta contra seu inimigo, seja qual for, na circunstância que for. 

A Polícia ser militar é uma opção estratégica para se naturalizar na instituição de "segurança pública" políticas e filosofias de repressão. A alienação da hierarquia, a transformação de pessoas em cães de guarda e a compreensão militar de inimigo de guerra que se entranham no modus operandi da PM, em suas mais internas instâncias e quadras de treinamentos nos quartéis, dão aos policiais a raiva babosa necessária para que apliquem com eficácia e consciência limpa a barbárie e o massacre ofertados pelo Estado. 

Existem práticas, discursos, métodos e vários outros elementos que compõe uma cultura criada e alimentada nos quartéis durante centenas de anos que fazem uma pessoa se transformar psicológica e corporalmente, com o porte de suas armas, cassetetes, rádios, coletes, capacetes, hierarquias, viaturas e histórias de glória e horror, em um produto vazio e meramente repressivo, um sanguinário disciplinado, um ditador em plenitude, que no fim das contas ostenta e tem em ti a personificação de todo o Estado e de sua política em voga. Torna-se um ríspido hostil, feito uma hiena que ri com desdém e maldade de sua presa se definhando quando ataca com êxito seu inimigo de guerra, ora apresentado por seus superiores nas operações das quais participa nas ruas e periferias, ora apresentado pela cultura racista e higienizadora difundida em tua instituição, no Estado e nas mídias a todo momento. Mesmo que o inimigo seja alguém que compartilha de tua realidade nas labutas econômicas todo fim de mês, como talvez no choro de um filho esfomeado, não importa para este corpo controlado pela disciplina e filosofia militar: o outro é modelado pelo militarismo como um inimigo de guerra não só da polícia mas também da sociedade. 

E, desse modo, o todo poderoso ditador no qual o Estado se manifesta e se constitui, com suas patentes e ordens a quem possa dar e submissões a quem deva acatar, sente-se legítimo para desmoralizar, xingar, oprimir, bater, algemar, prender, julgar, condenar e sentenciar as penas que lhe forem interessantes, matando, sumindo, torturando etc. Afinal, o Estado é ele e a justiça por ele pode - e deve - ser realizada. Em guerra, numa batalha bélica contra o inimigo, não há leis a não ser a tua própria, a não ser ti próprio. E assim o Estado segue massacrando o povo pobre, nas periferias e nos movimentos sociais, por meio de tuas milhares de réplicas carnificadas espalhadas pelas ruas como agentes de segurança pública. 

E não está apenas no militarismo o problema da repressão: está intrinsecamente na existência da polícia. A Polícia é o braço armado do Estado que se espalha pelas ruas a serviço do programa político e ideológico no qual este Estado se orienta, mesmo que se diga que é um órgão para garantir a segurança pública. Enquanto houver uma sociedade desigual, baseada na competitividade e na exploração, haverá sempre o temor da insegurança e, por via de consequência, a necessidade de se sentir protegido a qualquer custo. A insegurança, muitas vezes produzida e reproduzida em maiores proporções nas mídias e na cultura massificada, sempre caminhará braços dados ao sistema explorador. As classes baixas devem trabalhar, quando não trabalhar devem se marginalizar e roubar, traficar; é em teu seio que a criminalidade midiática deve permear, viralizar, que a imagem do tráfico há de se fixar, justamente para serem vigiadas, controladas e reprimidas pela segurança pública. As classes baixas devem temer a ti próprias para buscar proteção no Estado, por sua vez dirigido por classes antagônicas e que têm interesse na manutenção das coisas como elas estão - trabalho, criminalidade, vigilância e repressão. É nesse sentido, para atender a estes fins, que surgiu e que existe a polícia. 

As polícias e as prisões surgem em momentos na história que, como quaisquer outros, têm seus elementos políticos, sociais e econômicos de seu tempo. Ou seja, elas foram elaboradas, construídas e desenvolvidas por alguém e em função de algum objetivo. Por surgirem das estruturas de dominação de seu tempo, dirigidas por uma determinada classe orientada por seus próprios interesses, a polícia e as prisões já surgem, portanto, orquestradas em serviço de uma política muito bem determinada. O nascimento das prisões confunde-se de certo modo com o nascimento dos hospitais e dos hospícios: era necessário para a elite dominante despejar incômodos e desvios sociais, morais ou mesmo patológicos em detenções isoladas das cidades. As cidades europeias, séculos atrás, legitimaram e abraçaram tais políticas de higienização e encarceramento justamente por conta desse mesmo temor generalizado que hoje vemos tantos Datenas e Marcelos Rezendes, fiéis aprendizes de Goebbels, vomitarem nos canais abertos de televisão, esgoelando "chega de impunidade!", "polícia nas ruas!" e "cadeia neles!", utilizando táticas nazistas de persuasão feito papagaios propagandistas da SS. 

As polícias e as prisões surgem, portanto, para a garantia da exploração. E ainda hoje existem para tal, mesmo que prestem vários outros serviços que teriam como função contornar problemas sociais que pela história foram surgindo como consequências de problemas estruturais do capitalismo. 

E não está apenas no militarismo, nas polícias e prisões o problema da repressão e da manutenção da exploração: está, em última análise, nos seus progenitores, o Estado e o capitalismo. O capitalismo detém o Estado, que por sua parte detém o monopólio da violência. O Estado se alimenta do capitalismo para sua estruturação financeira, cultural e material, que por sua parte detém o monopólio econômico. É uma relação de reciprocidade utilitarista: estão de braços dados na missão de perpetuar o domínio de um seleto grupo de privilegiados sobre a desgraça de um massivo grupo de trabalhadores, desempregados, esfomeados, pretos, mulheres, pobres etc. 

Apesar da relação afetiva entre os maiores sistemas e instituições da sociedade conceder uma grandiosidade social, econômica e material em serviço dos interesses da dominação, ambos têm condições próprias de desempenhar tal função, mesmo o Estado distante do capital ou o capital distante do Estado. Juntos ou isolados, ambos são os problemas-raízes da sociedade desigual, segregatória e discriminatória. 

Um Estado tem as condições materiais essenciais para que se opere na sociedade políticas além da que o capital impõe. Ou seja, assim como o Estado pode defender o capitalismo, o Estado pode executar políticas de forma autônoma e paralela ao sistema econômico vigente, seja este o capitalismo neoliberal, a social-democracia radical, o socialismo de Estado marxista-leninista ou qualquer outro. O Estado tem condições de garantir regalias políticas e econômicas de grupos ou poucas pessoas que o dirigem ao mesmo tempo que ele defende e garante as estruturas da economia. Não há ideologia ou anseio nacional que ditem em totalidade a política e as movimentações do Estado.

Não há opção para a liberdade e igualdade do povo que não busque a destituição destes sistemas, num romper brusco e incisivo equivalente para ambas as estruturas. E se ainda insistem em dizer que desse modo não é possível, que o derrubar imediato do capital e do Estado está fora de cogitação para a emancipação do povo oprimido, seja por impossibilidades materiais ou seja por ditos equívocos estratégicos, remato que então é impossível que conquistemos a libertação e igualdade desejadas. Pelas vias da dominação a dominação não se desfaz: ela se reconfigura, se remodela e se prolonga. Só com a construção da liberdade e da solidariedade que alcança-se a liberdade e a igualdade. 

Desenrolo por aqui essas reflexões que surgiram junto à rebeldia decorrentes das cenas de horror que presenciei neste 7 de setembro de 2013 em Belo Horizonte, como, num primeiro momento, um certo alívio: só poderia me sentir um pouco melhor depois de desabafá-las, encontrando um pouco de calma num espírito que por muito vibrou e se estremeceu de nervosismo pelo que presenciou. Assim como, num segundo momento, porém ainda mais importante que o primeiro, em forma de solidariedade às muit@s outr@s companheir@s, que por sua vez viveram de modo mais brutal, sendo espancad@s, torturad@s, eletrocutad@s e até pres@s, enquanto a presidenta Dilma, presa e torturada na ditadura, desfilava entre oficiais militares neste desgraçado feriado da pátria. 

A estas vítimas das quais muit@s são camaradas de luta já de longa data, à todas as outras mais de 500mil vítimas que compartilham a amargura de estarem trancafiadas pelas grades do capital, como a qualquer um que sofre um abuso policial nas ruas racistas e preconceituosas deste país do coronelismo branco e elitista, dedico essas reflexões e sobretudo a razão da minha militância. 

Avante à luta contra as opressões!
Avante à luta pela liberdade e igualdade!
Avante à Anarquia!

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Algumas reflexões do nosso momento em BH e no Brasil


Julho de 2013

Junho de 2013: Movimento Passe-livre em São Paulo articulando uma grande luta contra o aumento, manifestações radicalizadas e, instantaneamente, um amplo abraço nacional à capital paulista num período de contradições latentes com a realização da Copa das Confederações, evidenciando as catástrofes sociais que não são nem de longe prioridade para o poder público.

Eis que, então, surge uma revolta popular generalizada. Alvoroço e estímulo aos movimentos populares, às organizações e entidades de esquerda. Mas, a partir de um momento, uma grande parte dessa “revolta” torna-se dirigida por um programa de um partido charlatão, obscuro e enganador, muito maior que qualquer partido ou organização política que exista e se reivindica propriamente enquanto partido ou organização política.

O avanço da direita, portanto, se consumou; a unidade da esquerda foi convocada e desse momento muitos pontos de autocritica devem ser avaliados profundamente. O avanço da esquerda, de outro lado, também se consumou: mais pontos para uma autorreflexão interna em relação às leituras de atuação, de organização e de representatividade. O avanço, enfim, das praticas libertárias. E mais autorreflexão se faz necessária.

Busco abaixo aprofundar ou apenas refletir sorrateiramente sobre alguns pontos que giram em torno desse contexto brevemente exposto, que na realidade já está muito perceptível pelo junho que passou.

A MÍDIA GOLPISTA COMO UM PARTIDO E SEUS MILITANTES EM DEFESA DE SEU PROGRAMA

A partir dessas gigantes mobilizações em todo o país evidenciou-se mais do que nunca a postura ideológica e política da grande mídia em suas intervenções perversas na opinião pública. Quando ainda não tínhamos em mente as proporções que tomariam o movimento, a mídia golpista seguiu a risca sua tradição e criminalizou ferozmente o movimento; Quando, num segundo momento, ela percebeu que as mobilizações estavam crescendo monstruosamente e ganhando uma força política inesperada, logo decidiu disputar espaço com as pautas que estavam em evidência - das quais as mobilizações surgiram - se empenhando em disputar espaço com a esquerda.

A mídia se portou como um grande partido político golpista que projetou uma doutrinação em massa de multidões em defesa de suas pautas. Por seu poder massificador, orquestrou uma despolitização majoritariamente na classe média (a sua fiel consumidora), tornando-a sua militante aguerrida quando a fez sair às ruas com discursos vazios e em defesa de vácuos políticos sem sentido nem orientação. O Partido da Imprensa Golpista, PIG, por meio de seus milhares de novos militantes, executou in loco o seu permanente objetivo histórico: a criminalização da luta popular que ousa de algum modo questionar o sistema vigente quando levanta reivindicações que atacam diretamente o capital, quem lucra com as mazelas do povo e, não distante, a propriedade privada.

Milhares de pessoas saíam às ruas esbravejando "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo", enquanto dispunham seus corpos e seus discursos exatamente como determinavam as resoluções do PIG nas televisões, nos rádios e na internet: pacíficos, nacionalistas, vazios politicamente e odiadores dos partidos (o que, subsequentemente, os tornavam odiadores dos movimentos sociais e das bandeiras de luta num modo geral).

A função desses seus militantes era agir em defesa da ordem, da nação, dos bancos, das concessionárias, da Polícia Militar e demais forças repressivas, se colocando contra a luta radicalizada e contra os vermelhos corruptos - ou seja, os vermelhos -, todos a postos com as bandeiras do Brasil, entoando o hino nacional, palavras-de-ordem como "Sem Vandalismo" e gritos contra o PT. Além de, ironicamente, vez ou outra ainda gritarem "abaixo a Rede Globo".

Nesse contexto de infiltração generalizada de sua ideologia, quando já era possível para fazer uma avaliação positiva da onda de protestos no país em relação ao avanço de seu programa e suas objeções, o PIG, então, armou toda uma cobertura completa e em tempo real das manifestações pacíficas, com fotos, imagens e links ao vivo em alta resolução de seus bravos militantes em marcha por todo o país.

O PIG funcionou como espaço de convergência das forças de direita que temiam os ares radicais das lutas. Nele se apoiou o setor empresarial, a burguesia, a FIFA, os órgãos privados, o Estado e seus organismos de repressão, como as Polícias Militar e Civil. O esquema arranjado separando “manifestação pacífica” de “vândalos infiltrados” serviu de pilar argumentativo para diversas investidas vindouras da classe dominante – nessas todas suas representações -, justificando a marginalização, as ações arbitrarias das forças de repressão do Estado e o lamento geral armado para as empresas milionárias que tiveram seus vidros quebrados e seus artigos de luxo saqueados. A participação do PIG, portanto, se consumou eficaz para as necessidades dos gestores do capital, detentores dos monopólios e rancorosos direitistas que ainda existem aos montes no país.

Dada essa realidade, a esquerda, em seu interior conflituoso e sectário por tradição, viu-se obrigada a realizar algumas manobras que se apresentavam como emergenciais para o momento. A convocação por unidade era palavra de ordem e deveria ser regra para que o PIG não continuasse recuando drasticamente as ruas ao espectro da extrema-direita e da reação.

A RADICALIDADE: INSTRUMENTO DE AVANÇO POLÍTICO

Mas antes de entrar nessa discussão propriamente da esquerda, é preciso salientar um fato que serviu de avanço crítico e político de grande parte do povo que estava à mercê do programa do PIG. Nos momentos de confronto na linha de frente das manifestações em BH, já na Antônio Carlos ou Abraão Caram, muitos daqueles que antes reproduziam o discurso-papagaio "vândalos infiltrados", quando viram dezenas de disparos simultâneos de várias bombas de longe alcance, que voavam como napalm em direção aos "pacíficos", além dos tiros de bala de borracha, cacetadas, cenas de horror policial e um helicóptero que jogava bombas de efeito moral enquanto planava bem próximo ao chão para espalhar o gás lacrimogêneo e generalizar o terror nos manifestantes, reavaliaram o que antes tinham como certeza absoluta em relação à Polícia, à ordem e à violência.

Quantos a mim não vieram pedir que eu despejasse vinagre em suas bandeiras do Brasil, colocando-as no rosto e partindo para a linha de frente para entrar em resistência à investida militar desumana (o momento permite a redundância). Isso não diz respeito somente à adesão de novas pessoas ao front, mas de um avanço político enorme quando deixaram o vazio midiático pra trás e sentiram a realidade na pele. A radicalidade é um instrumento de luta, de avanço, o que foi muito bem provado, e é por esse motivo que o PIG insiste incansavelmente em criminalizar os rebeldes.

A POTENCIALÍSSIMA E CRIMINALIZADA REVOLUCIONÁRIA: A PERIFERIA

O que é um fato inegável e que não pode ser esquecido em nossas avaliações e leituras é a presença massiva da periferia nas linhas de frente. Historicamente criminalizada, amordaçada e explorada, a periferia desceu ao asfalto sem o engajamento que os universitários e militantes organizados têm e dispõe em suas lutas, porém com a contradição do sistema capitalista viva, densa e ardida em suas costas. A periferia desceu ao asfalto com a rebeldia que emana de modo natural em quem tem seu próprio corpo como o objeto de descarga das mazelas do capital e da dominação social, nas suas mais genuínas e perversas formas.

É a favela que sente o capitalismo e suas instituições financeiras, políticas e morais de modo cru: a exploração do trabalho, o desemprego, a miséria, o descaso, o machismo, a homofobia, o tráfico criminalizado – pois a articulação do tráfico dos grandes ricos, banqueiros, políticos e mafiosos não é sumariamente atacada pelos militares e pelo PIG, tampouco nenhum destes porcos são assassinados pelo Estado -, o alcoolismo degenerativo, o vício, a dor constante de amigos e familiares assassinados, as condições paupérrimas de sobrevivência etc.

Não é na favela que carrões da Hyunday chegam à noite e estacionam em mansões, muito menos onde moram diretores executivos e gerentes de franquias da Hyunday ou de outra concessionária; não é na favela que seus moradores têm cartões de créditos especiais do Unibanco, Bradesco ou Santander; não é na favela que moram as pessoas que podem comprar calças jeans da Touloun por R$200,00 ou rodas cromadas aro 22’’ da Toyota que custam milhares de reais. E também não é na favela que o Estado entra de modo “pacífico”, “cívico” e “ordeiro”, com escolas, centros de cultura, programas sociais, bibliotecas, cinemas, parques, praças, campos de futebol.

Na favela, na realidade, o Estado entra do modo mais violento e sanguinário que possa existir e que o PIG jamais estampará em letras berrantes matérias que evidenciariam essa violência. Na favela, o Estado entra para calar, reprimir e matar, na figura da PM, do Exército, da Unidade de Polícia Pacificadora e dos grupos paramilitares. Na favela, na realidade, os artigos de luxo consumidos pela classe média alta e pela burguesia são apenas imagens ilusórias dos comerciais de tevê. Esses artigos de luxo, para a favela, não passam de uma perversa materialização da exploração da mão de trabalho e da perpetuação do sistema excludente e inumano que se estabelece.

Existe uma condição básica que sustenta essa política de Estado deliberada em curso com o descaso, marginalização, criminalização e o morticínio das favelas, periferias e da pobreza num modo geral, que é a luta de classes. Há a necessidade de manter os pobres em ordem em um sistema que os explora diretamente, desenvolvendo meios estratégicos para que a tendência humana de autodefesa não se transforme numa rebelião generalizada. E é essa política de Estado em curso que cumpre exatamente esse papel: lançar os pobres, miseráveis, desempregados e trabalhadores periféricos à masmorra, à condição de marginalização e de criminalização. Quanto à marginalização, ela se exprime geograficamente – os pobres não têm direito à cidade dos prédios, carros e dos negócios, apenas aos becos, córregos e barracões – com o reforço da marginalização social, cultural e econômica.

Quanto mais “cultura suja”, mais “modos repugnantes” e “músicas de bandido”, que são estereótipos midiáticos dos favelados que não condizem aos padrões do PIG, mais marginalizada a favela fica. Quanto mais tráfico, violência e drogas o PIG consegue filmar e estampar em suas manchetes, mais criminalizada a favela fica. Mais distante fica o diálogo, mais cruel é o preconceito. Desse modo, aprisiona-se a periferia aos ditames do capital: rebelde, mas criminalizada; presente, mas esquecida; potente, mas minimizada, desarticulada.

Essa favela, quando desce o morro, de fato não desce com o amor, o coração e a civilidade que tanto reivindicam os ratos do PIG e seus militantes zumbis. A periferia pôde, nessas mobilizações, descarregar da maneira que lhe era mais conveniente sua rebeldia contida nos limites da detenção sem muro, para além da sua faixa de gaza. De seu modo, agindo em estado histórico de autodefesa e de rebeldia legitima, organizada ou não, mesmo não estando articulada politicamente como um estudante da UFMG ou um folião politizado de Belo Horizonte, a periferia foi sem dúvidas a maior força social presente no front e nas investidas populares contra os símbolos do capitalismo e do sonho de consumo disseminado pelo PIG nos seus milhares comerciais de tevê aberta.

Potencialíssima revolucionária, a periferia foi a que mais sentiu, também, nessas mobilizações. São vários os presos políticos que ainda estão detidos. Não posso ter certeza dos números, mas posso ter certeza que não há nenhum militante organizado preso: sua grande maioria é de periferia, que inclusive já tem alguma passagem pela polícia. É um quadro terrível quando se percebe que não existe uma mobilização para a libertação imediata dos presos políticos. Esse ponto é um ponto crítico e que é transversal a qualquer pauta política imediata.

A ESQUERDA, E NELA, OS ANARQUISTAS

Para entrar no debate sobre a esquerda propriamente dita e sua necessidade de interferência coesa nas manifestações para recuar os planos do PIG, seria injusto não destacar uma força política que foi fundamental nesse sentido: os anarquistas - desde os anarquistas deliberados que constroem o poder popular pela base por sua militância cotidiana nos movimentos sociais, passando pelos libertários autônomos nas marchas e até os "Black Bloc", que foram/são um dos espaços de convergência destes libertários. Para refletirmos sobre o grau de politização de determinado grupo, ato ou momento, nesse contexto de mobilizações no qual temos uma grande classe média nas ruas buscando algo a se agarrar tomando a si como causa reivindicatória, basta avaliarmos o grau de criminalização que o PIG descarrega nos grupos, atos ou momentos colocados.

Ainda no início das mobilizações, puderam ser notados alguns encapuzados vestidos de preto carregando bandeiras rubro-negras. Ato após ato, este contingente crescia e se apresentava cada vez mais organizado. Sua interferência foi bem clara: durante a marcha, sempre vistos ao lado dos movimentos sociais, gritavam palavras de ordem revolucionárias (houve momentos que chegaram a proteger partidos e movimentos sociais das agressões fascistas), e, no front, se colocavam lado a lado à resistência popular, agindo em conjunto pela defesa popular ante a brutal repressão policial. Se já é sabido que o momento de confronto avança a consciência popular, o fator Black Bloc impulsionou de forma incisiva esse avanço, se portando e sendo recebido como fiel companheiro de resistência pelos rebelados. No próprio momento de confronto também era perceptível uma crescente adesão popular ao bloco negro, todos de braços dados e determinados a resistir coletivamente.

O PIG, portanto, não se manifestaria de forma diferente à criminalização desesperada dessas pessoas. Chegaram a dizer que eram facções criminosas de outros estados que estavam viajando para BH para infiltrar nas manifestações pacíficas para disseminar a barbárie. Foi inclusive armada uma coletiva de imprensa com os altos escalões da Polícia Civil e Militar para falarem sobre o perigo dos Black Bloc para os "cidadãos de bem" e "manifestantes pacíficos".

Mas não só em Black Bloc que os anarquistas e libertários se organizaram, evidentemente. O próprio MPL de São Paulo tem em sua gênese organizativa propriedades libertárias e autonomistas. Nós podemos perceber claramente um desgaste de conceitos e métodos centralizadores e vanguardistas na sociedade como também no movimento social. O fortalecimento de organizações políticas marxistas que não apelam à tradicional forma de partido e seus tradicionais ritos bolcheviques é um exemplo notório desse desgaste – talvez saibamos de qual organização estamos falando. Não entrarei no mérito de discutir se isso é uma autocritica ou uma alternativa de cooptação mascarada. O fato é que é crescente a busca em ampliar a participação e evacuar a direção centralizadora, o que nos incube reflexões e avanços de práticas autogestivas, horizontais e combativas, além de impulsionar uma militância deliberadamente anarquista, expandindo-a e fazendo dela uma força política presente.

Existe uma crescente militância anarquista nas lutas sociais num nível nacional que não deve ser desprezada. A consolidação da Coordenação Anarquista Brasileira no ano passado (2012) é fruto de um processo histórico no país. O vetor social do anarquismo deve ser retomado e a militância anarquista está sendo norteada nesse sentido. As jornadas de junho não eclodiram por um mero impulso espontâneo, ou pelo incentivo do PIG; seríamos injustos com as nossas organizações de base e os nossos movimentos sociais que por tanto tempo constroem resistência e luta no país. Nesse aspecto, todo esse acumulo conquistado pela esquerda que atua pela base e de modo radicalizado foi de relevante importância para o surgimento das mobilizações menores e na politização das mobilizações já em condições gigantescas. Nesse contexto, a militância anarquista desempenhou e vem desempenhando um papel talvez ainda não determinante, mas fundamental.

Vislumbrando o cenário municipal, em todo o processo das mobilizações de BH, princípios libertários foram pautados e sua adesão foi exponencial. Um grande resultado - talvez o maior - da influência libertária foi o surgimento da Assembleia Popular Horizontal em Belo Horizonte.

A ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL

Ela se constituiu (e se constitui) como uma ágora de discussão e aprofundamento político na cidade como poucas vezes visto antes, mas agora não necessariamente ligada a movimentos tais, alguns poucos sindicatos ou partidos específicos. A APH surge como um espaço fortalecido, respeitado e amplamente construído, onde essas forças políticas diversas da cidade se alinharam ao modelo horizontal, autogerido e autônomo de organização. O que se expõe aqui não é colocado no sentido de autopromoção ideológica: é colocado no sentido de, inclusive, propor uma reflexão aos partidos, sindicatos e movimentos sociais que durante muito tempo rechaçaram certos princípios de autogestão e horizontalidade por algumas avaliações equivocadas, como se tais princípios fossem inertes à ausência de organização, de direção ou mesmo de foco. A APH provou o contrário.

Com certeza a APH está entre os melhores frutos das mobilizações de junho, ao lado das conquistas de bandeiras de luta e de outros pontos que avançaram, como a experiência popular com grandes revoltas e um estado relativamente permanente de atenção maior da sociedade às próximas medidas arbitrárias do governo. A APH, construída em conjunto por individualidades, sindicatos, movimentos sociais e organizações, conquistou objetivos que por muito tempo foram pontos principais de luta destes próprios sindicatos e movimentos sociais, como a revogação do aumento da tarifa da capital, a redução da tarifa da região metropolitana e a realização de reuniões com o prefeito Márcio Lacerda e com o governador Anastasia, apresentando diretamente aos governantes reivindicações como o conflito por moradia na cidade e o conflito dos servidores públicos da educação no Estado. Os representantes do poder executivo que sempre se negaram a fazer sequer uma reunião com as categorias e os movimentos, pela força e representatividade que a APH acumulou em si, foram obrigados a recuar com a vossa intransigência e se fazerem publicamente cientes dos problemas levantados.

Nesse ponto, é fundamental ressaltar a poderosa ferramenta de conquista construída pela APH, que deu força ainda maior à luta: a Ocupação da Câmara dos Vereadores por mais de uma semana. A Ocupação foi uma verdadeira vivência de autogestão, horizontalidade e democracia direta, onde se aprofundaram debates e discussões sobre temas e problemas sociais variados, deliberaram comissões, atos, intervenções, aulas públicas, rodas de conversa e atividades culturais, tudo com um enorme apoio da cidade.

Passada a ocupação e todo o período de grandes agitações nos restam algumas tarefas que foram deixadas por esse momento. É fundamental que militemos em busca de alcançar o máximo de acumulo possível desse período, de organizarmos tudo que nos foi exposto como desorganizado e ampliarmos tudo que inicializamos. E é esse o ponto chave da APH: ampliação. Ampliação metodológica, política e geográfica.

No desenrolar das Assembleias percebemos o avanço na organização e metodologia que, até então, estávamos ainda inexperientes com a proposta de horizontalidade para reuniões de milhares de pessoas. Esse avanço surge naturalmente com os erros e consequentemente com os acertos provocados pelas experiências. Notamos, no início, uma drástica dificuldade da mesa - organizador(as) das falas, inscrição(ões), relatoria(s) - se organizar e seguir uma metodologia, sentimos dificuldade inclusive de pensar, digerir e deliberar metodologias horizontais de reunião, mas meios e alternativas foram desenvolvidos no próprio seio da APH e que hoje suprem vários impasses e dúvidas de outrora.

O que acontece hoje que ainda nos resta avançar é em relação à memória da Assembleia no que diz respeito à conclusão de assuntos que geram polêmica. Sempre que houve situações assim, propostas eram apresentadas em meio a uma calorosa disputa de falas e atropelamentos desnecessários - isso porque na grande maioria das vezes não propunham alternativas, apenas reafirmavam o que já estava muito bem afirmado nas propostas -, e por esse estresse desnecessário as defesas eram realizadas de modo denso e abriam-se mais e mais discussões paralelas. Para solucionar isso, apesar das voltas e voltas dadas por pessoas que interferiam diretamente na mesa, atrapalhando a metodologia, ainda que bem intencionadas, no fim das contas restavam mesmo as mesmas propostas, tendo vezes em que era encontrado o consenso e outras que simplesmente era encaminhada a votação.

Devemos ter bem claro a diferença entre a criação de propostas, a apresentação das propostas, a proposta de consenso, a defesa de uma proposta como também de uma ansiedade pessoal desnecessária que nada mais faz além de dar mais engodo à desorganização. Para isso, é sempre importante estar ciente da fluidez natural dos assuntos e discussões: propostas, busca de consenso, defesas e, se ainda realmente necessário, uma simples votação.

Faço ainda questão de dar um foco especial a essa passagem “se ainda realmente necessário, uma simples votação”. A busca pelo consenso deve ser uma máxima a qualquer movimento ou articulação horizontal, seja ela de 10, 50 ou 1000 pessoas. A ansiedade provocada pelas Assembleias extensas, que por muitas vezes quase se perderam em debates já debatidos e desgastes desnecessários, é um fator preponderante para um cansaço físico e mental quando é chegado o momento das deliberações e conclusões. Por isso devemos buscar alternativas de descentralizar o máximo possível a responsabilidade de uma sessão geral da APH em discutir e encaminhar temas e propostas que possam ser feitos em instâncias legítimas da própria APH.

OS GRUPOS DE TRABALHO DA APH: LEGITIMIDADE, REPRESENTATIVIDADE, EXPANSÃO DA HORIZONTALIDADE E DA GÊNESE POPULAR

Aqui evidencio a necessidade de fortalecimento dos GTs (Grupo de Trabalho), que são os grupos abertos criados a partir da APH para aprofundamento em temas e assuntos mais focados, como Transporte, Saúde, Direitos Humanos, Reforma Política etc. O GT é uma aplicação tática fundamental para a horizontalidade e a condição popular da APH. Não devemos nos perder num embate sobre representatividade e legitimidade do GT como se sua função e existência fossem comparáveis, por exemplo, à função e existência de um grupo de delegados encaminhados a uma reunião com o governo. Nesse contexto de delegação de companheiros realmente faz-se necessário uma permanente cautela e coerência que deve ser natural de qualquer movimento horizontal, pois são delegados da APH que irão se reunir e apresentar propostas ao poder público. É um canal de diálogo externo. Mas o GT é uma atribuição de função e delimitação de espaço/tema constituído integralmente dentro da APH que difere categoricamente com a atribuição e função de delegados. O GT é a APH: nela foi constituído, a ela se submete no sentido de todos os GTs estarem em sintonia, unidade e construção coletiva.

Não podemos ter o GT como um grupo quase-isolado de consultoria de pautas de luta acerca de seu tema específico e que está abaixo ou simplesmente deslocado da APH; o GT é a APH se organizando num tema. O que é a APH sem o GT, ou mesmo acima do GT? A questão que fica é, qual seria o organismo constituído da APH que eventualmente seria superior, mais legítimo e mais representativo que os seus espaços de aprofundamento de temas específicos? Quem constrói o GT, constrói a APH. Devemos buscar compreender o GT como APH justamente para não cairmos nesse falho questionamento de que o GT pode ou não representar alguém, dando a entender que somente as sessões gerais da APH são legítimas e que apenas nessas sessões gerais há uma atmosfera horizontal. A atmosfera horizontal da APH se espalha aos GTs, e estes são frutos de sua horizontalidade.

Acredito que os GTs devam ser mais potencializados. Devem buscar ampliar seus debates abertos na cidade, devem levantar táticas para ampliar a participação popular em suas reuniões, debates, atos, fortalecendo os dois adjetivos que compõe o nome de nosso movimento: Popular e Horizontal. Essa potencialização dos GTs remete diretamente à necessidade de mantermos uma continua mobilização grande da população da capital e região metropolitana após as jornadas de junho. Não vejo como função da sessão geral da APH buscar essa mobilização massiva. Os GTs trabalhando nesse sentido levarão naturalmente o acumulo alcançado a tais sessões.

Os GTs são mais objetivos em pautas – ou generalidades de pauta -, o que é o caminho que possibilita essa maior de mobilização. A população de BH sofre com o transporte, moradia, saúde, educação infantil, mas quer saber no fim das contas quando terá a tarifa zero, a moradia digna, hospitais com infraestrutura, médicos e creches com professores valorizados. Digo isso ressaltando um dos pontos que foram decisórios no que tange a desmobilização nas ultimas sessões da APH. A falta de um norte e um objetivo que digam e discutam especificamente determinados problemas sociais concretos e visíveis foi uma condição proeminente do recuo popular na participação da APH. Isso não é um erro da APH, é uma condição existente na sociedade e em sua participação das lutas. Não que devemos focar, enquanto APH, em pautas específicas de GTs escolhidos a dedo: mas devemos fortalecer os GTs para que os debates em seus temas sejam mais focados e dialoguem mais com a sociedade diretamente em seus problemas estruturais. Não esperemos que a sociedade componha as sessões gerais da APH de modo espontâneo, só porque é Horizontal e Popular. Vamos expor, tencionar e aprofundar o debate desses problemas estruturais por meio dos GTs, que é a ferramenta fundamental para buscarmos o verdadeiro sentido de Popular de nosso nome.

Compreendo como uma força-tarefa dos GTs essa atividade permanente de autoconstrução enquanto espaço legítimo da APH e de ampliação de suas atividades aos bairros, morros, favelas, à região metropolitana etc. A ampliação geográfica da APH não se resultará de deliberações que durariam horas e mais horas em sessões gerais da Assembleia; de fato é importante esse debate nessas sessões gerais. Mas, utilizando da função estratégica dos GTs, essa missão torna-se bem mais palpável, realizável e menos maçante num modo geral para a APH.

Em ultima analise, os GTs não devem resguardar o acúmulo de suas pautas de debates às suas atribuições e atividades. Esse acúmulo deve ser massificado e divulgado tanto em sessões gerais da APH quanto em outros quantos espaços possíveis. Deve ser função dos GTs o diálogo e comunicação com a APH e com a sociedade por meio de exposições claras sobre o avanço de seus trabalhos. Justamente para que não se reforce a ideia de que o GT é um grupo de consultoria de pautas específicas e para que se amplie, enfim, de modo mais digerido e organizado, o debate de todas as pautas em toda a representação da APH.

AMPLIAÇÃO DA APH SEM SE PORTAR COMO VANGUARDA DA MELHOR METODOLOGIA ORGANIZATIVA E DAS PAUTAS MAIS BEM ESCLARECIDAS

A APH, portanto, está servindo de espaço para criação, desenvolvimento e aperfeiçoamento de práticas horizontais e libertárias de organização, reuniões e deliberações para milhares de pessoas, entidades, organizações etc. O passo importante é não deixar esmaecer o poder político que a APH tem, construindo os GTs, avançando as pautas, propondo mobilizações, atos, debates, intervenções etc. por esses GTs, fortalecendo as instâncias de organização e metodologia das Assembleias e pensando estratégias de ampliação geográfica, para além do centro e em direção aos bairros e periferias.

Não se trata de existir uma APH centralizadora com instâncias nos bairros e periferias levando e determinando as práticas mais corretas de organização e as pautas de luta mais coerentes da cidade. Evidentemente, devemos buscar construir Assembleias Populares Horizontais de modo unitário e federativo na cidade no sentido de lutarmos coletivamente por pautas comuns ao passo que fortalecemos as pautas mais particulares de cada região. Mas, antes de tudo, se trata basicamente em estimular a auto-organização popular, a democracia direta construída pelo povo e a realização permanente de debates, reflexões e deliberações de caráter transformador da sociedade pela base. Trata-se, por parte mais especificamente da APH através de seus GTs, de dar gás, fôlego e ânimo aos debates dos problemas sociais nas regiões que mais são afetadas por esses problemas.

NÓS, LIBERTÁRI@S E ANARQUISTAS

Por fim, entrando mais no debate do espectro libertário dessas lutas, estamos passando por um momento de necessidade imprescindível de organização. A organização dos libertários, autonomistas e anarquistas é fundamental para que sua atuação seja eficaz e amplamente construtiva.

Se, ainda que de modo geral estamos desmobilizados mas atuando mais ou menos alinhados circunstancialmente e que, mesmo assim, estamos conquistando alguns avanços importantes, a grande tarefa que o momento nos impõe é realmente a de nos organizarmos e fazermos os ares do movimento serem permanentemente horizontais, democráticos e autogeridos. É com organização que as transformações estruturais que desejamos serão realizadas; é na organização que plantaremos e coletivamente regaremos as sementes libertárias e revolucionárias em nosso vasto campo a ser fertilizado. Façamos desse momento histórico das lutas populares um momento igualmente histórico - o que já está sendo - para os libertários e anarquistas.

Para finalizar, cito Mikhail Bakunin, em um excerto do livro Socialismo e Liberdade, lançado pelo Coletivo Luta Libertária:
"Nos momentos de grandes crises políticas ou econômicas, em que o instinto da massa, posto em brasa, se abre em todas as inspirações felizes, em que estes rebanhos de homens escravos, vergados, esmagados, mas nunca resignados, revoltam-se enfim contra o seu jugo, mas sentem-se desorientados e impotentes porque estão completamente desorganizados; dez, vinte ou trinta homens, entendendo-se bem e estando bem organizados, e que saibam para onde vão e o que querem, arrastarão facilmente cem, duzentos ou até mais. Vimos isso recentemente na Comuna de Paris. A organização séria, apenas iniciada durante o cerco, não foi muito perfeita e nem muito forte; e contudo foi suficiente para criar uma resistência formidável."

Após esse breve debate lançado com intuito de aquecer nossas problematizações, minha esperança é que ele possa dar alguma contribuição para o movimento num modo geral, em determinados temas que dizem respeito a algumas esferas que se debruçam nesse processo histórico. E que nos debruçamos!

Liberdade às presas e presos políticos!
Fim da criminalização da pobreza!
Fim da criminalização da luta popular e dos movimentos sociais!
Construir e ampliar a APH e a auto-organização popular horizontal!
Retomar o vetor social do anarquismo na luta de classes!
Por baixo e pela esquerda, Construir o Poder Popular!
Avante à Luta!

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Primeiro De Maio



Maio,
Oh Maio em Chicago!
Oh Glorioso Chicago rebelde,
de vibrante emoção em Mil Oitocentos e Oitenta e Seis,
Pertinácia ao Capital, à República, aos Reis!
Estado Moderno, que aos capitalistas serve,
se hierarquiza, burocratiza e se estabelece,
sugando das tripas dos destripados,
da comida dos esfomeados,
da vida dos rebelados!

Rebeldia! Estado de força da natureza dos oprimidos,
que da rebeldia nascestes e na rebeldia hão de crescer!
O dia! Que estalos da força policialesca foram ouvidos,
quem na anarquia crescestes não incumbia temer!

Ouvia-se dos berros
Abaixo a Burguesia!
Palavras-de-ordem ecoavam:
Morte à tirania!
Massivas investidas do operariado
pintavam de esperanças
as paredes frias, ranzinzas e rancorosas das fábricas;
Intensivas vigílias do proletariado
nos passos das classes tirânicas,
apagavam as linhas escritas por suas poderosas armas;

Doença social serias a Fábrica;
em mãos de minorias emporcadas,
destinavas tantos milhões à desgraça,
desgraça das varas privilegiadas!
Desgraça sois, fatalidade do capital;
da propriedade privada, fatal,
amordaça das massas trabalhadoras,
encontrada nas trapas de masmorra!

Em Maio! Oh Maio de Chicago,
companheiros bravamente erguiam uma Boa Nova,
o mundo novo em gritos sinceros de bravuras!
De lutas contra os critérios impostos e, como resposta,
a espora do Povo havia fincado nas costas das estruturas!

Explosão! Oh explosão que determinaste,
o grilhão econômico, político e moral,
realizaste na condenação de pena mortal,
aos companheiros que se erguiam em tuas hastes!

Punhal cadavérico do capitalismo,
Cerraste alguns dos ossos de nosso Gigantesco,
Glorioso e Humano corpo-rebelião!
Merda-e-tal, benemérito-excelentíssimo,
caminhaste aos poucos ao rumo dos teus mesmos,
nos autos de Justiça da Revolução!

Maio,
Oh Maio em Chicago!
Assassinado em Chicago,
Eternizado em meus Brados,
em Nosso Brados e hinos revoltados,
do Povo Revolucionário!
Maio,
Oh Maio em Chicago!
Enraizado em nossas memórias,
que carregam da humanidade a rebelião,
é lembrado em nossas vitórias,
Oh Primeiro de Maio,
que sustentam a solidariedade e Revolução!

sábado, 5 de janeiro de 2013

Protesto Pacífico, Violento e Radical


A grande mídia, os grandes veículos de comunicação - os quais todos sabemos a quem estão a serviço -, insistem em disseminar uma ideia de que, em uma democracia, o povo não só pode como deve - sim, eles dizem isso! - lutar por seus direitos. Mas pensemos: o que está oculto nessa afirmação, que, a princípio, viola os interesses daquilo que defende e se realiza? Basta percebemos a sutileza com que dizem: primeiro que não propagam tais instruções como propagam todas as mazelas do capitalismo, do consumo e da defesa do status quo e do modus operandi do sistema; segundo que, a ideia que a grande mídia faz questão de passar em todos os seus canais, por todos os seus veículos, vem impregnada com uma mensagem "pacífica" num eventual sentido de defesa da "democracia", do "bem estar social" e da "responsabilidade cívica de todo cidadão que tem o seu direito de protestar, mas que não deve causar supostos 'danos' à ordem e à sociedade".

Essas maravilhosas máximas, numa leitura superficial, ocultam uma visão que, na realidade, se choca brutalmente contra o que deveria estar defendendo: "o direito de lutar por seus direitos". A face oculta dessa afirmação com essa ideia de "movimento pacífico" se apresenta, quando investigada e enfim compreendida, como mais uma ferramenta de dominação e bestialização popular, além de ferir toda a tradição de luta do povo explorado. Essa determinação de que o protesto democrático - democracia, como é lindo proferir e dizer que se defende tal maravilha! - há de ser o pacífico tem por trás a intenção de propagar e defender a disciplina, o controle, a ordem, de modo que a luta não seja, de maneira nenhuma, ameaçadora, ofensiva, ao poder instituído que defendem e que estão a serviço.

O mais triste nesta história é que muitos da própria esquerda caem nessa balela, de defender movimentos e manifestações pacíficas, quando na realidade tinham chances concretas de se radicalizarem e causarem temor e receio às partes dominantes, inimigas naturais de quaisquer reivindicação de caráter popular. Esse conceito de movimento pacífico, inclusive, garante aos veículos de comunicação a estratégia midiática de deslegitimar qualquer que seja o movimento radical, agora atribuído, de acordo com as pré-investidas da mídia golpista, como "violento".

Ah, "mas a violência não deve ser admitida, a violência retira a razão daqueles que a praticarem!" Tão estratégicos, tão repugnantes os criadores do pensamento massificado! A partir daí temos a desmoralização e também criminalização dos movimentos que ousam realmente abalar as estruturas estatais e do capital, através da ação-direta, de boicotes, de sabotagens, como também de, caso necessário, de confronto direto com as forças repressivas do Estado. Como podem insinuar que tais camaradas, dispostos com pedras, paus e no máximo molotovs, são violentos, tendo em vista que existe todo um aparato repressivo estruturado para recebê-los nos parlamentos, nos bancos, onde quer que se proponham a protestar, com todo seu armamento pesado, bombas de gás lacrimogêneo, escopetas, cassetetes, escudos, capacetes, coturnos, carros, vãs, cavalaria, cachorros, camburões, blindados, tanques e helicópteros? Estes são defensores do bem estar social, os lutadores dos direitos do povo são os violentos.

Essa é a prática mais comum da criminalização dos movimentos sociais, e a esquerda jamais há de repercutir leituras equivocadas, para não dizer insolentes e hipócritas, que a direita nos oferece com suas máscaras e maquiagens para alcançarem o máximo de manipulação, desinformação e generalização.