terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O ETNOCÍDIO A SERVIÇO DO LATIFÚNDIO SOB A TUTELA DO ESTADO


Publicado pelo MAL-BH

Não é novidade a profunda desigualdade na distribuição de terras no Brasil. Camponeses, trabalhadores rurais e índios são historicamente alvejados e massacrados pelo latifúndio e seus tentáculos de dominação rural, compostos basicamente pelo Estado, pelas as milícias privadas e a escravidão assalariada fundada na chantagem econômica. Aqui pelas grandes cidades, entre os prédios, os carros, a rotina exaustiva da vida urbana e as fascinantes propagandas que nos entopem a cabeça, os veículos de comunicação muito pouco pautam a sangrenta realidade escravagista rural e, quando pautam algo deste tema, geralmente enaltecem a economia brasileira com os avanços da produção e criminalizam os movimentos sociais que lutam pela vida e dignidade dos brasileiros submetidos ao latifúndio.


Dezenas de milhares de pessoas, dentre índios e trabalhadores rurais, já foram sumariamente executadas na história do Brasil pela manutenção da ordem estabelecida que privilegia uma classe estritamente pequena, a qual detém as terras, os bens de produção e as baratas mãos-de-obra daqueles que vivem controlados, vigiados, assolados na miséria e reprimidos. Certamente esse tema deve ser levantado a qualquer instante quando discute-se direitos humanos, entretanto o que me motiva a discutir essa realidade feudal brasileira é a chacina que está acontecendo no interior do Matro Grosso do Sul, com os povos indígenas Guarani-Kaiowá.

As convulsões sociais envolvendo o povo Guarani-Kaiowá são antigas desde a época da guerra do Paraguai (segunda metade do século XVII), quando suas terras foram invadidas por fazendeiros paulistas e paranaenses e a vegetação local destruída para a criação de grandes pastos de gado e outras tantas plantações. Desde então os fazendeiros mantém-se no local até hoje numa direção contrária à resistência heroica dos povos originários. Os institutos do Estado que tratam de assuntos indígenas nada fizeram e até hoje nada fazem efetivamente para a justa retomada das terras aos índios. O que acontece é justamente o contrário, muitas das atitudes tomadas por estes institutos do Estado tiveram uma perspectiva favorável aos fazendeiros, como o SPI (Serviço de Proteção aos Índios) entre 1915 e 1928, quando, segundo um artigo do Diário da Liberdade, "impôs um ordenamento militar, educação escolar, assistência sanitária e favoreceu as atividades das missões evangélicas que se instalavam na região", constatando ainda que, segundo os fucionários do SPI, "era preciso concentrar os indígenas para possibilitar a ocupação de seus territórios. Várias famílias extensas estabeleceram moradias nessas reservas do SPI, mas muitas outras continuaram vivendo nas matas da região." [1].

Em reação a essas medidas do Estado brasileiro, os povos originários se organizaram e criaram o grupo de resistência Aty Guasu, do qual várias lideranças indígenas fazem parte e articulam lutas pela erradicação da chacina instituída nos interiores do país e pela redistribuição de terras aos índios. Pistoleiros foram contratados pelos latifundiários para efetivarem, com as próprias mãos, os despejos das ocupações indígenas das terras que foram nascendo. O Estado, por outro lado, articulado pelo poder judiciário que decretava e pela Polícia Militar que executava o despejo, contribui com o assassinato de nossos índios e com a manutenção das regalias dos grandes fazendeiros.

Em alguns poucos jornais hoje nos deparamos com notícias superficiais sobre a perseguição que está acontecendo nas terras do Mato Grosso do Sul. São assassinatos atrás de assassinatos, sumiços atrás de sumiços, torturas e perseguições atrás de tortura e perseguições. O poder dos fazendeiros não restringe seus alvos e ataca inclusive crianças, idosos e mulheres. O Estado brasileiro permanece, mesmo com um dito governo de esquerda, apático sobre esse assunto. Fecha os olhos e não toma nenhuma atitude que imediatamente precisa ser tomada. O título de uma matéria do jornal Brasil de Fato evidencia esse descaso do governo Dilma/PT ao sangue indígena derramado no interior do MS: "Quantos cadáveres Guarani Kaiowá a presidenta precisa?" [2].

São diversas notícias desses veículos que não estão atrelados à grande mídia capitalista que atentam os leitores ao massacre Kaiwoá, como esta, que relatou o assassinato do cacique Nísio Gomes, de 59 anos, no dia 18 de novembro de 2011:

Chapéu que o cacique Nisio
Gomes usava quando
foi assassinado.
"No início da manhã desta sexta-feira (18), por volta das 6h30, a comunidade Kaiowá Guarani do acampamento Tekoha Guaiviry, município de Amambaí, Mato Grosso do Sul, sofreu ataque de pistoleiros, cerca de 40, fortemente armados. [...] 'Estavam todos de máscaras, com jaquetas escuras. Chegaram ao acampamento e pediram para todos irem para o chão. Portavam armas calibre 12', disse um indígena da comunidade que presenciou o ataque e terá sua identidade preservada por motivos de segurança." [3]
O que concluímos, apesar de infelizmente não ser tanta novidade assim, é que nossa sociedade  é exorbitantemente desigual e que temos vestígios de todas as atrocidades sociais do Brasil nos atormentando até hoje. A questão da reforma agrária, a questão indígena, a questão da repressão militar como instituição no Brasil desde a ditadura, a própria questão dos arquivos da ditadura que há décadas não foram abertos ao povo brasileiro e nenhum torturador militar punido, os direitos humanos de modo geral no Brasil - ainda atrasados em virtude da força dos setores mais conservadores (a Igreja e inclusive sua moral católica que compõe o pensamento massificado do povo) - dentre outras diversas questões nos fazem reparar nossa verdadeira situação social e nos chegam como tarefas que devemos resolver urgentemente.

Só nossa luta diária, determinada e radicalizada pode cessar o avanço desses pontos que nos sugam a vida, assim como foi só a luta diária que cessou diversos outros pontos já vencidos pelo povo na história deste país. A necessidade eminente é de unidade no campo e na cidade para a resistência e criação do poder popular, único viés que nos representará, justamente por ser construído por nós mesmos.

Não retroceder na luta contra o capital, o latifúndio e a propriedade privada! Não retroceder na luta pela reforma agrária, pelo poder popular e pelo socialismo, pela anarquia!


Notas:

[1] A reação Guarani Kaiowá e o contra-ataque dos poderosos, Diário da Liberdade.

[2] Quantos cadáveres Guarani Kaiowá a presidenta precisa?, Brasil de Fato.
Acesso em: 03/01/2012.

[3] Comunidade Kaiowá Guarani sofre massacre, Brasil de Fato.
Acesso em: 03/01/2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário