terça-feira, 14 de outubro de 2014

Dilma ou Aécio: mais uma vez engasgadxs no "menos pior"

Uma interpretação anarquista a respeito do segundo turno das eleições presidenciais de 2014


Diagnóstico PT x PSDB

Estamos diante de mais um segundo turno de eleições presidenciais entre PT x PSDB, o sexto seguido (1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e agora 2014). Este cenário, apesar de indicar em um primeiro momento a via do pragmatismo que propõe a "vitória de um(a) para a derrota do pior", para nós anarquistas indica a urgência de elevar o debate para um nível maior, para o patamar que o povo merece tê-lo em discussão, de forma menos rasa e imediatista e que contemple tanto as verdadeiras demandas de nossa classe quanto a crescente insatisfação popular para com as eleições, o que elas representam e a quem elas servem de fato.

Há basicamente duas opiniões "pragmáticas" que, além de rasas, são profundamente insuficientes (mesmo que por motivos diferentes): votar no Aécio para derrotar a Dilma ou votar na Dilma para derrotar o Aécio. A começar pelo primeiro. É preciso deixar claro que votar contra a Dilma (portanto, no Aécio), não seria o mesmo que votar em "algo melhor do que está aí", como vem sendo amplamente difundido em grandes mídias nada imparciais e discursos evasivos de pessoas muitas vezes desinformadas. O PSDB nunca foi e nunca será alternativa viável em nenhum aspecto na política deste país. Achamos fundamental fazer uma leitura séria e honesta quanto ao que cada partido representa no cenário político nacional, e também a que e a quem cada linha política se submete e serve.

O PSDB é um partido historicamente neoliberal e de direita, que levou o Brasil ao limite da exploração humana, financeira e de recursos no auge da era FHC. Submissão ao FMI, ao capital internacional e ao imperialismo ianque, privatização generalizada de empresas públicas, arrocho salarial, demissões, desemprego, corrupção, intransigência, pouco (quase nenhum) tato social e repressão caracterizaram o governo FHC. O neoliberalismo tucano já mostrou suas garras durante os anos 90, afundando o Brasil no lamaçal da dívida externa e na entrega de partes expressivas de nossas riquezas aos grandes monopólios financeiros através das privatizações corruptas. Ardeu as costas do trabalhador e das classes oprimidas de modo direto e enfático, quando nelas desmoronou o peso das crises dos capitalistas para que estas crises não atingissem estes seus verdadeiros culpados, preocupados com os seus lucros exorbitantes. A política do PSDB sempre foi pautada pela limitação e subtração de direitos do povo, evidenciando uma proposta profundamente elitista, racista, homofóbica e segregatória. A supressão de direitos e a falta de diálogo com a sociedade segue como fundamento da estrutura política tucana.

E com o Aécio não há nada diferente: o impacto de sua política neoliberal deixou profundas cicatrizes no estado de Minas Gerais. A atual dívida externa do estado, por exemplo, é a maior do país, R$9,47 bilhões. O sucateamento da educação pública foi uma de suas mais alarmantes guinadas contrárias ao povo trabalhador: dura repressão às greves dos professores, sua firmeza intransigente, censura e controle total da mídia e não cumprimento de acordos ou mesmo leis federais sobre salário e carreira foram alguns dos desdobramentos práticos de seu ufanismo neoliberal. Relatos de agressões a mulheres e de outras atitudes que evidenciam sua postura patriarcal, privilegiada e preconceituosa, podem muito nos esclarecer de quem estamos falando. Seu vice, a propósito, Aloysio Nunes, enquanto senador, votou contra a instalação da Comissão da verdade, contra a PEC do trabalho escravo (que, dentre outras medidas, propõe o confisco da propriedade dos que até hoje mantém trabalho escravo no Brasil), é o relator do projeto de lei que propõe a redução da maioridade penal e se afunda em denúncias de envolvimento com o esquema do cartel do metrô de São Paulo (governado por Alckmin, também PSDB).

Não há, de forma alguma, possibilidade de tal política ser alternativa, ser uma "boa nova" para "o que está aí". Aliás, muito dessa insatisfação generalizada para com o governo do PT, que cria esse discurso infundado e vazio "anti-petralha" se dá por uma articulação de grandes veículos de mídia que, alinhados aos grupelhos tradicionais de direita - PSDB, DEM, PP, PR, ruralistas, fundamentalistas evangélicos -, mantém uma artilharia pesada anti-PT nos grandes canais de comunicação.



Mas, por outro lado, também não é o PT a alternativa eficaz para a nossa classe oprimida e para a solução de suas demandas tão urgentes.

A começar com o Lula em 2002. Após derrotas desde 1989, finalmente nos anos 2000 o PT consegue eleger um operário ao cargo máximo do executivo do país. Com ministérios formados por nomes que lutaram contra a ditadura, pelas Diretas Já, que compunham movimentos sociais expressivos, que se reconheciam como de esquerda (ou mesmo extrema-esquerda), Lula publicava, em 22 de junho de 2002, a "Carta ao povo brasileiro", que, no mais, tranquilizava as elites temerosas com a vitória do operário sindicalista pelo partido vermelho naquelas eleições. Já nos primeiros meses, Lula tratou de firmar acordos e garantias para as classes mais ricas e privilegiadas que não haveriam mudanças estruturais no país. Garantiu e cumpriu. Não à toa, o presidente dos EUA, Barak Obama, o qualificou como "o cara". Muito abraçou para pouco apertar. Lula fez menos reforma agrária que o FHC (FHC – 43 mil famílias em 1995; Lula – 36 mil famílias, segundo o MST). Os bilionários investimentos nos bancos prolongaram a política de FHC nesse sentido. A deterioração dos aposentados no governo petista compôs a política de Lula. O aparelhamento dos movimentos sociais praticamente liquidou a possibilidade de intervenção crítica da sociedade organizada no governo petista: perdemos anos e anos de organização e mobilização, perdemos grandes movimentos sociais e entidades historicamente de luta para a intervenção governista em suas direções (operada em grande parte pelo PCdoB) para que somente por agora consigamos voltar alguma ter força no movimento social (ainda não tão expressiva) que paute criticamente o governo federal.

Mas se nem o Lula em 2002 fez-se uma alternativa, operando uma política sem substancia efetivamente transformadora naquele momento em que a grande maioria da esquerda e do povo trabalhador nutria esperanças por ter pela primeira vez eleito um operário por um "Partido dos Trabalhadores", depois dos duros golpes de uma Ditadura Militar, Sarney, Collor e FHC, a Dilma em 2015 é que não será. É correto destacar a importância dos programas sociais que foram implementados como o Fome Zero e o Bolsa Família; mas o que o PT definitivamente não fez foi caminhar pela via das mudanças mais profundas que eram e são necessárias para o povo. Em contrapartida, enquanto isso, já se passaram 12 anos de pactos e alianças com os mais nefastos segmentos neoliberais e reacionários do país. Paulo Maluf, Sarney, bancada fundamentalista evangélica, ruralistas, militares, doleiros e publicitários corruptos, banqueiros... foram alguns dos tantos "companheiros" com quem o governo federal se articulou e que ainda se articula. As consequências políticas destes pactos não estão de todo desalinhadas com a faceta política do PSDB e de seus aliados: só que, durante o governo petista, elas se pintam de vermelho e seguem seu rumo discretamente, mascarado, mas em ritmo acelerado.

O PT entorpece o país com o discurso de "país de classe média" - que a propósito está perdendo o fôlego. Cada vez mais, o que ocorre, são latifúndios mais concentrados, que além de explorar as/os trabalhadoras/es do campo segue dizimando os indígenas e minando as demarcações, riquezas mais acumuladas, bancos quebrando recordes de lucro, prédios, casas e terrenos abandonados ao bel prazer da especulação imobiliária, empresas lucrando com o trabalho precarizado e informal que não para de crescer... não há acúmulo e concentração de riqueza que se faça isolado no sistema de exploração capitalista. Se há, alguém está pagando por isso.

O PT se caracteriza por ser um governo neodesenvolvimentista por, dentre outros aspectos, distribuir crédito ao mesmo passo que não distribui a riqueza, amparado por um governo que intervém na economia nesse sentido, principalmente no campo social, mas que não está em completo desalinho com algumas medidas de caráter neoliberal. O crédito causa um efeito de ascensão social por conta da mínima ampliação de poder de compra que lhe é ofertado, o que sustenta a afirmação do surgimento e crescimento dessa nova classe média, que agora pode comprar mais. Em termos práticos, essa nova classe média tem a capacidade de se endividar durante anos para comprar o que o mercado disponibiliza com juros altos e cobranças quase eternas, o que estanca a possibilidade de um efetivo crescimento econômico familiar. O povo pobre é amarrado nas dezenas de meses de prestação enquanto o salário não contempla nem a metade do que é necessário para a dignidade humana. Mesmo os seus programas sociais, que inegavelmente garantiram o pouco para quem nada tinha, são programas que, se analisados com um olhar mais crítico, sem se furtar da honestidade, correspondem a um investimento muito inferior àquele que é destinado à amortização da dívida e às medidas bilionárias para salvar grandes bancos (que lucram entre 4 e 12 bilhões ao ano), por exemplo.

A renda não é distribuída, é a falsa sensação de ascensão que é massificada. O risco que o povo trabalhador corre por estar sendo submetido a essa política econômica-social é muito grande: muito se distribui crédito para pouca estrutura estável econômica daqueles que se endividam. Nessa situação, a inadimplência se sugere como um desfecho muito provável, como aponta a Coordenação Anarquista Brasileira, em sua análise conjuntural "Elementos da conjuntura eleitoral 2014":

"A não distribuição real de renda, ou seja, a socialização da miséria, gera índices de endividamento preocupantes, que prometem desacelerar o consumo de massas e o mercado imobiliário, com um grande risco desse endividamento se tornar inadimplência. [...] Já havíamos apontado em uma análise anterior que este modelo de crescimento não era sustentável, em seu sentido de gerar um ciclo de crescimento. Pois nota-se que desde que o PT assumiu, colocou em curso seu projeto neodesenvolvimentista, baseando-se no aumento da oferta de crédito e não da distribuição de renda, o que logicamente leva a população ao endividamento, estagnando, ou ao menos diminuindo a capacidade de crescimento."

E no trato com o movimento social, o PT parece ter aprendido muito bem com os seus antecessores tucanos - e até os militares. Aprendeu a prática da repressão, perseguição e criminalização, aperfeiçoando com novas táticas de ataque ao movimento popular implementadas, como o aparelhamento, o governismo e o peleguismo como amarras burocráticas na direção das grandes centrais sindicais e movimentos sociais. O que o PT legitimou, disponibilizou e executou durante as Copa das Confederações e Copa do Mundo, em defesa dos bilhões de lucro à FIFA e às oligarquias comerciais mais ricas do planeta, no sentido da repressão, fez regozijar os seus antigos inimigos, dentre eles os militares e os setores mais reacionários do país. Depois de o povo ser sumariamente agredido e reprimido nas ruas em 2013 e 2014, com a ajuda das tropas da Força Nacional, submetidas ao governo federal e por ele enviadas, a candidata Dilma tem como proposta de governo a continuidade dessa integração de repressão na pauta da "segurança pública", dizendo ter sido "um sucesso" a operação policialesca durante os megaeventos da FIFA. A repressão e criminalização aos movimentos de resistência contra a Copa do Mundo, o morticínio do povo pobre e negro nas favelas e periferias, a tortura como forma de investigação policial e a forma como a Comissão da Verdade foi criada e está trabalhando têm uma substância intragável que é transversalmente comum. Não há como aceitar que sob sua tutela foi criada uma "comissão da verdade" que é, no fim das contas, motivo de piada e chacota entre os generais reformados que estiveram no comando dos anos de chumbo, servindo mais para nos humilhar do que propriamente para resgatar e garantir a verdade, a memória e a justiça ao povo brasileiro.



Referente às questões raciais, de gênero e de orientação sexual, é inegável que houveram alguns avanços, como as cotas raciais - sendo, em verdade, conquistados por mobilizações do que propriamente ofertados pelo governismo -, mas também é inegável que não haja nada que aponte uma política focada na desestruturação dos preconceitos que são normalizados em nossa sociedade e que têm consequências drásticas nas vidas das pessoas. O machismo segue atacando as mulheres, psicológica, social e fisicamente, matando, estuprando e abandonando, apesar de leis como a Maria da Penha; mesmo com as cotas raciais que foram conquistadas depois de muita luta e mobilização das e dos negros, o racismo segue exterminando os jovens negros e pobres, sendo disseminado nos principais veículos de mídia, embarcados ora em discursos a favor de rigidez do código penal, da pena de morte, de polícias mais violentas nos morros, ora em brincadeiras que não sejam "politicamente corretas"; a homofobia também segue matando, discriminando, silenciando e invisibilizando a população LGBT, fomentada pelos setores evangélicos que formam opiniões através de discursos de ódio e violência na mídia e também no parlamento. Evidentemente não é um problema que surgiu no governo petista; mas também não é um problema que tenha prioridade em sua pauta de governo para ser devidamente combatido. O que se tem, nesse sentido, é a aplicação de pequenas reformas para que atenda de modo raso e mínimo algumas reivindicações destes setores discriminados e oprimidos, mas que não abre mão das alianças nefastas que o PT tem com os setores que executam essas opressões e delas se privilegiam.

Eleição é farsa

Fato é que as eleições não têm poder transformador nenhum: elas estão invariável e estritamente à disposição do poder econômico e oligárquico, patriarcal e branco que vigora no Brasil há centenas de anos. Assim como o PSDB, o PT não governa para ninguém a não ser os grandes financiadores de suas campanhas, as grandes oligarquias capitalistas do campo e da cidade, as mais altas patentes militares e os mais poderosos chefes religiosos. Mas também é fato que não há governabilidade neste país se a situação no governo não dançar conforme a música. Os donos de sempre não disponibilizariam uma estrutura que tivesse capacidade de recuar suas regalias, seus privilégios e a manutenção de seu poder e domínio no país. Apontar propostas de mudanças estruturais de dentro do sistema é selar a sua exclusão sumária, justamente por este sistema ter sido muito bem elaborado para frear, blindar e sucumbir novas posições que eventualmente surjam em seu interior com objetivo de tocar nos privilégios enraizados no Brasil.


Reconhecer a diferença entre PT e PSDB é uma atitude sã e responsável. Mas é preciso também reconhecer que não se tratam de governos diferentes no que se refere à luta de classes do país. São, na realidade, roupagens diferentes para uma orientação comum, que é a governabilidade para o capital, sob a tutela dos de sempre de cima, oferecendo nada ou quase nada de efetivamente relevante para as/os de baixo que têm tantas urgências e necessidades. Os governos em questão não variam quanto aos seus objetivos: não governarão para o povo, fazendo o possível para que tal verdade se mascare para domar a opinião pública, seja pela manutenção de programas sociais já estabelecidos, seja por clamar votos por ser a "via menos pior". Se a Marina tanto problematizou a questão da "dualidade" da "velha política", propondo uma "nova política", ela estava correta quando se referia à "velha política", mas equivocada por estabelecer dois lados antagônicos, quando se refere à "dualidade". Não existem dois lados antagônicos neste jogo, tampouco três, caso ela se insira como "alternativa" no contexto: todos miram, inclusive o dela (que agora está com o Aécio), para o objetivo comum de dar continuidade à exploração e dominação de sempre. Todos compõe essa velha política, esse jogo enganador e viciado, essa estrutura de centralização de poder e canalização das velhas mentiras conhecidas.

Portanto, é preciso reconhecer também que precisamos de um basta, de sair dessa situação desgastante e humilhante em que temos que escolher com qual o molho está menos estragado para que sejamos devorados nos próximos anos. Tal citação de Eduardo Galeano exprime com rigor a realidade. O povo trabalhador merece dignidade e respeito, o que não virá de forma alguma das eleições. Elas, pelo contrário, representam o que há de pior nesse sentido para o povo oprimido: além de não pautarem as nossas verdadeiras demandas e necessidades, os pretensos representantes nos levam à chantagem de termos que escolher o menos pior do que temos para hoje. Tal situação indigna deve ser rechaçada e amplamente combatida pelas camadas populares.

Temos que sair desses constantes xeque-mate, dessas permanentes sinucas de bico que eles nos impõe de dois em dois anos, tendo que nos resignar e escolher quem, no fim, nos faria fazer sofrer menos durante os próximos quatro anos. Ainda que ideologicamente devemos atacar esse engenho espoliador e ilusório de uma vez por todas, deslegitimando e lutando contra esse sistema e o que ele nos oferece, construindo pela base e fora das eleições o nosso programa de lutas para colocarmos as nossas necessidades no foco central da atividade política, como também para que possamos efetivamente ruir essa estrutura montada e muito bem estabelecida. Enquanto estamos limitadas e limitados na situação de escolhermos o menos pior, o sistema se retroalimenta ideologicamente, segue se legitimando e nossas urgências são deixadas pra trás. E são várias, a saber: Moradia, reforma urbana e direito à cidade, saúde e educação de qualidade, trabalho, salário digno, luta contra as opressões (o machismo, racismo, homofobia), terra e reforma agrária, transporte, direitos humanos, meio ambiente e cuidado da natureza, previdência... Um programa que contemple essas pautas que são diárias na vida dxs oprimidos não será, jamais, desenvolvido e aplicado nas instâncias representativas do Estado.

Do jeito que está, além de nunca serem pautadas as nossas reais necessidades, assim permanecerá se continuarmos a legitimar essa via burguesa e nada representativa. Eles têm o poder da chantagem de "ou eu, ou ele(a)", que subtrai as propostas ao possibilismo e esgota a capacidade de inserir as nossas questões que realmente interessam na agenda política, estancando a possibilidade de avanços reais para a nossa gente. As eleições têm seus caprichos: sempre, ou quase sempre, teremos um representante da direita (ou mesmo extrema-direita) disputando os cargos mais altos, como a presidência; Portanto, a questão que se faz central é: quando findará essa chantagem de termos de ir votar no menos pior, porque "a atual situação nos impõe tomar tal medida para 'frear a direita'"? E se há certa inserção das ideias da direita em setores expressivos da população, que proporcionam ao candidato estar em patamares ameaçadores durante a eleição, o que mais nos evidencia é a necessidade de fazermos combate ideológico firme nos nossos espaços de militância e de vivência, no sentido de frear, diariamente, a partir do cotidiano das lutas e das relações pessoais e coletivas, o enraizamento das posições reacionárias em nossos meios. A nossa palavra de ordem "política se faz nas ruas" se aplica sobretudo nesse caso, que se orienta pelo nosso princípio básico de que é melhor um passo com o povo do que mil sem ele. Somos revolucionárixs e por isso compreendemos que a capacidade de transformação radical só se dará a partir do povo organizado em luta e resistência, praticando e semeando princípios libertários no seu dia-a-dia. Desse modo, construir um mundo novo no agora, nas nossas atuais relações de luta e de vivência é, além de imprescindível, o que pode frear com eficácia o avanço da ideologia burguesa nos nossos meios, forjando, em contrapartida, valores de solidariedade, apoio-mútuo e respeito.

Tentam nos domesticar quando enfatizam que "não podemos deixar de reconhecer que política também se faz pelas eleições, pelo Estado". Na realidade, devemos ter clareza do que o Estado e as eleições realmente representam em nossas vidas e nos posicionarmos enfaticamente contra essas armações. O Estado surge para estabelecer, concentrar e perpetuar o poder em suas mãos, e disso ele não foge: tentar mudar algo "por dentro" é a via mais equivocada que poderíamos adotar - e quem nos comprova é a história. Não podemos nos furtar de nos posicionarmos contrárias e contrários ao que está aí para nos explorar e dominar: se há um motivo de estarmos do jeito que estamos, resistindo aos trancos e barrancos enquanto poucos detém o privilégio da tranquilidade e da riqueza, é porque o sistema de Estado e capitalista se legitima e se fortalece a partir de sua força física e ideológica. Devemos ter atenção e cuidado nas nossas decisões e posicionamentos para que não nos transformemos involuntariamente em auxiliares ideológicos do sistema para fortalecê-lo, enquanto pensamos infantilmente que estamos lutando contra ele. Devemos como princípio negar suas instituições e suas formas de existência representativa para fazermos uma luta realmente independente e capaz de transformar. Se não é a via independente e potencialmente revolucionária, que arranque do Estado as conquistas mas que não o reconhece como "viável" ou mesmo "mais um caminho", não existem vias que tenham formas, traços e características realmente populares, que de fato as representam e proporcionam alternativas e caminhos para avançar.

Dentre o povo, essa sensação vem sendo sorrateiramente percebida, mas ainda muito dispersa e despolitizada. A descrença no sistema representativo, nas eleições e no governo vem se tornando mais contumaz. Não à toa, mais de 30% do eleitorado do Vale do Jequitinhonha, provavelmente a região mais pobre de Minas Gerais, absteve-se do voto. O Brasil de um modo geral não foi diferente: o "segundo colocado" nas eleições, com 38,7 milhões, foram os votos nulos, brancos e abstenções, tendo o norte e o nordeste (além do Rio de Janeiro, um dos principais palcos das revoltas de 2013 e 2014) como as regiões que mais contribuíram para esse caldo. Mas o nulo pelo nulo, a abstenção pela abstenção definitivamente não resolve nada e, em alguns casos (em sua maioria por desinformação), exprime conclusões equivocadas. Mas esse contexto deve ser explorado com afinco pela esquerda revolucionária e independente, no sentido de permear luta e dar um sentido real e material a essa insatisfação, discutindo fundamentos e motivações para a abstenção ao voto e quais as vias que o povo tem à disposição para realmente fazer política e de criar condições de reivindicação, enfrentamento e vitória no contexto de luta de classes.

O Poder Popular

O que nos resta, portanto? A luta popular organizada, contínua, independente e de ação-direta. Todos os direitos que temos hoje em dia, mesmo que muitos sejam ainda escassos e defasados, foram conquistados, e não doados; foram garantidos por lutas, greves, piquetes, manifestações, ocupações, marchas, e é desse modo que temos chances de avançar em nosso programa. Independente da face tomada pelo governo a partir de 2015, 2017 ou qualquer outro ano de posse de novos enganadores e usurpadores do povo recém-eleitos, devemos seguir organizadxs em nossos locais de moradia, trabalho, estudo, construindo a nossa luta, fazendo política com as próprias mãos, a partir da democracia de base e da independência política. Fomentar auto-organização e autogestão, estimular a solidariedade e consciência de classe, articular lutas desarticuladas e integrar as diversas demandas do povo entre todos os segmentos, setores e categorias em luta, enfrentar com empenho e ação-direta o Estado e o capital na luta por direitos e por uma nova sociedade, é a estratégia que de fato nos atende no campo político da luta de classes; Criar Poder Popular, em termos mais exatos, para que possamos fazer força contrária às forças aí estabelecidas que maquiam o Estado de dois em dois anos, através da farsa eleitoral e das promessas ultrapassadas.

O Poder Popular é o decisivo: para não cairmos na humilhante resignação e adaptação de nossas urgências à escolha do menos pior, limitando, esvaziando e calando as nossas vozes, forças e opiniões, elegemos o Poder Popular como o nosso permanente e verdadeiro capacitado para as conquistas de nossas pautas, para arrancarmos vitórias no enfrentamento da luta de classes e para caminharmos para uma nova sociedade, que não esteja fundada na mentira, na chantagem e na ludibriação mascarada de representatividade, mas sim na solidariedade, na democracia-direta, no socialismo libertário.




Nenhum comentário:

Postar um comentário